Coimbra 45


Por votação realizada em Conselho Nacional da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), Coimbra será a cidade anfitriã do seu 42.º Congresso Nacional, nos dias 24, 25 e 26 de Outubro deste ano.

É a segunda vez na história da Confederação que tal acontece.

Praticamente desconhecido, ali teve lugar, nos dias 24, 25 e 26 de Agosto de 1945, um importante Congresso Extraordinário que veio a determinar uma nova era na vida dos bombeiros em Portugal.

Ocorrida num período em que os congressos ditos normais haviam sido suspensos, devido às circunstâncias resultantes da II Guerra Mundial, a reunião magna de Coimbra-1945 ficou a dever-se a um facto imperioso: a apreciação daquele que veio a ser o primeiro Regulamento dos Corpos de Bombeiros, promulgado pelo Decreto n.º 35857, de 11 de Setembro de 1946.

Vários acontecimentos, dignos de registo, marcaram as vésperas dos trabalhos. Desde logo o projecto do mencionado instrumento normativo, elaborado por uma comissão da confiança do ministro do Interior, tenente-coronel Júlio Botelho Moniz, cujas disposições, consideradas por alguns comandantes "inadaptáveis e desprestigiantes", geraram uma onda de descontentamento no sector. O caso estendeu-se à imprensa, que se colocou ao lado dos bombeiros, difundindo vários pontos de vista nas suas páginas. Por seu lado, o responsável pela pasta da tutela, face à manifesta oposição, determinou dar a devida divulgação a todo o articulado, para plena identificação e parecer dos seus destinatários.

Enquanto "Confederação de Associações e Corporações de Bombeiros", coube entretanto à LBP a liderança do processo. Primeiro, dando a conhecer, a todos os comandos de bombeiros voluntários e municipais, as discordâncias apuradas e, em segundo, reunindo a sua base social a fim de analisar o polémico projecto e concorrer, para efeitos da melhoria do mesmo, com medidas alternativas.

Nessa conformidade, concentraram-se na cidade dos estudantes, em resposta ao apelo da Liga, à data presidida por João Manuel Pires, presidente da Direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Évora, mais de 300 congressistas, representando 200 federadas.

Os trabalhos decorreram no refeitório dos frades cruzios, em pleno Mosteiro de Santa Cruz, o mais importante monumento coimbrão, quer pelo seu valor artístico quer pela sua história. Antes, porém, a sessão inaugural realizou-se na Associação dos Artistas de Coimbra, com a presença do governador civil do distrito, Castro Soares, tendo a guarda de honra aos participantes sido prestada por deputações do então denominado Corpo de Bombeiros Municipais de Coimbra CBMC), actual Companhia de Sapadores Bombeiros, e dos Bombeiros Voluntários de Coimbra (BVC).

Tratou-se da primeira vez que os bombeiros portugueses se pronunciaram sobre "um código mais completo possível para a unificação das corporações", num clima de alargada discussão pública patrocinada pelo Governo, situação que entendemos estar relacionada com o contexto de aparente abertura política do regime do Estado Novo, em razão do desfecho da II Guerra Mundial, traduzido no triunfo das democracias na Europa Ocidental.

Toda a reunião foi acompanhada e presidida por um delegado do Ministro do Interior, de seu nome completo António Morão Vaz da Silva, dela resultando a aprovação de várias alterações ao documento em apreço, consubstanciadas num relatório da Liga dos Bombeiros Portugueses objectivado pela "publicação de um Regulamento que satisfaça as aspirações dos Bombeiros de Portugal, de harmonia com os desejos manifestados unanimemente no Congresso de Coimbra", escreveu na ocasião o comandante Artur Morgado, no Boletim da Confederação.

A imprensa da época, nomeadamente o "Diário de Lisboa", relatou os trabalhos, dando testemunho da elevação com que os mesmos se processaram, dispensando, por exemplo, particular atenção à exposição do inspector de incêndios de Vila Nova de Gaia, Costa Pereira, acerca da organização dos serviços de incêndios no país, considerada como sendo "um estudo minucioso e completo", que deixou patente "as deficiências de serviço e organização e a maneira de as condicionar, e de lhes dar remédio".

Paralelamente ao congresso tiveram lugar alguns actos não menos significativos, destacando-se, para além da apresentação de cumprimentos à Câmara Municipal de Coimbra, a demonstração, em Santa Clara, do cinto de salvação inventado pelo comandante António Pinto de Magalhães, dos BVC, a visita aos quartéis do CBMC e a condecoração de ambos os corpos de bombeiros com a Medalha de Ouro da Liga dos Bombeiros Portugueses, na sessão de encerramento, onde a Banda dos Bombeiros Voluntários de Penacova executou o Hino Nacional.


Consequências da reunião magna

Passado um mês sobre o evento, uma delegação da LBP, recebida pelo ministro do Interior, procedeu à entrega formal dos seus contributos para a “completa constituição geral do Serviço de Incêndios de Portugal”. Pouco tempo depois, o jornal "O Século" noticiava, em primeira página:

"Os serviços de prevenção e extinção de incêndios vão ser regulados por um decreto a publicar dentro em breve e em que foram tidas em atenção as aspirações dos voluntários, cujos 'inestimáveis serviços prestados à Nação' o sr. ministro do Interior reconheceu numa entrevista concedida ao 'Século'."

Em Coimbra-1945, é importante dizer e valorizar, os bombeiros portugueses - irmanados na sua Liga - traçaram um novo destino, alcançando, por mérito próprio, as suas mais legítimas aspirações.

Ainda na continuidade da discussão em torno do Regulamento dos Corpos de Bombeiros, para cumprir e fazê-lo cumprir, o Estado criou, primeiro, através do Decreto-lei n.º 35746, de 12 de Julho de 1946, o Conselho Nacional dos Serviços de Incêndios (CNSI), dependente da Direcção-Geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior, que passou a superintender a actividade dos corpos de bombeiros.

Através do CNSI, definido, pela Liga, como "a nossa carta de alforria", foram ainda satisfeitas outras velhas pretensões, com destaque para a distribuição equitativa das importâncias recolhidas do imposto cobrado às companhias de seguros, pela exploração do ramo de incêndio, e a obrigatoriedade do seguro de acidentes pessoais, como medida de protecção para casos contraídos em serviço, da responsabilidade das câmaras municipais, aplicável aos elementos dos corpos de bombeiros municipais e voluntários.

Reconhecendo a acção da Confederação, o Governo inscreveu, muito justamente, no preâmbulo do referido decreto-lei:

"Também não se esquece o trabalho de orientação e coordenação da Liga dos Bombeiros Portugueses e o estímulo que da sua actividade resultou para todos os que têm ocupado postos nos corpos de bombeiros voluntários.

Assim, e porque só se pretende assegurar o melhor aproveitamento dos esforços que até aqui se têm desenvolvido, de todos se continua a esperar a mesma desinteressada colaboração nos respectivos serviços, que passam a ser superiormente orientados por um organismo dependente do Ministério do Interior."


Pesquisa/Texto: Luís Miguel Baptista